terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Como foi a guerra dos Tamoios(portuguêses x índios Tupinambás e franceses)

 Os franceses não aceitaram a divisão do mundo entre portugueses e espanhóis. Visitavam a costa brasileira em busca do pau-brasil e mantinham contatos amistosos com vários grupos indígenas. Em 1555 resolveram fundar uma colônia, a França Antártica, na baía do Rio de Janeiro. Dois anos depois chegava Mem de Sá com a missão de expulsar os franceses.
  
 Os Tupinambá de Ubatuba e do Rio de Janeiro uniram-se para lutar contra os portugueses com o apoio dos franceses. 
 Os portugueses, por sua vez, estavam aliados aos Tupi ou Tupinikim de São Vicente e do planalto, tradicionais rivais dos Tupinambá, também conhecidos como Tamoio ou Tamuya, que na língua tupi significa avôo mais velho, nome respeitoso pelo qual os Tupinikim de São Vicente os chamavam, apesar de serem inimigos.
 Esta guerra durou cinco anos, de 1562 a 1567.
 Temendo que a derrota dos portugueses pudesse significar também o fim da missão católica, os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta propuseram-se ir até Iperoig para negociar a paz.
 Após um longo acerto entre portugueses, missionários e índios Tupinambá, estes dispuseram-se a terminar as hostilidades. Foi estabelecido, então, que os portugueses não escravizariam os Tupinambá do litoral e esses, por sua vez, não atacariam as vilas e fazendas do litoral.
 Enquanto se concretizavam os detalhes desta paz em São Vicente, no dia 1º de março de 1565 chegava ao Rio de Janeiro uma esquadra portuguesa sob o comando de Estácio de Sá, sobrinho do governador, com a missão de expulsar definitivamente os franceses e exterminar os Tupinambá.
 A guerra foi retomada e durou mais dois anos, deixando vítimas de ambos os lados, como Aimberê e Estácio de Sá.
 Com a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, em 1565, os Tupinambá refugiaram-se em Cabo Frio. Em 1585 foram atacados pelas forças do governador do Rio e pelos traficantes paulistas de escravos. Cercados, tiveram de se render. Um grupo ainda conseguiu fugir para o interior de Minas, seguindo mais tarde para Santa Catarina, sempre se distanciando da fúria escravista dos colonizadores.
 Surpreendidos pelos traficantes de escravos, muitos morreram, e os sobreviventes foram levados cativos para algumas aldeias dirigidas pelos jesuítas no Rio de Janeiro.
 No início do século XVII, os Tupinambá do Sudeste estavam praticamente extintos.




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O que eram as câmaras municipais na época de Governo Geral

 No processo de organização das ações político-administrativas do espaço colonial brasileiro, havia grandes dificuldades para regulamentar e resolver as questões ocorridas nos vários centros urbanos da época. Com isso, a Coroa Portuguesa permitia a organização de órgãos que viessem a responder os problemas locais que estariam fora de seu alcance. Entre estas instituições de natureza administrativa, havia especial destaque para as câmaras municipais.

 As câmaras municipais tinham o poder de decidir diversas questões referentes aos cuidados e medidas dirigidas a uma determinada região. De forma geral, uma câmara municipal tinha a incumbência de controlar as rendas e gastos da administração pública do local, regulamentar as atividades comerciais desenvolvidas nos arredores da cidade, cuidar da preservação e limpeza de todo o patrimônio público e empreender a realização de obras públicas.

 Para se decidir essas questões de suma importância local, a câmara municipal era composta por um grupo de vereadores presidido por um juiz. Esses cargos exercidos no ambiente da câmara eram reservados somente aos grandes proprietários de terra daquela localidade. Aqueles que escolhiam ou exerciam esses cargos eram usualmente chamados de homens bons. Escravos, mulheres, mulatos e, durante algum tempo, nem mesmo os comerciantes poderiam integrar o corpo diretivo de uma câmara.

 Tal medida restritiva pretendia vetar a inserção de figuras políticas descompromissadas com os interesses da metrópole. Apesar disso, durante toda a história do período colonial, foram vários os momentos em que os membros da Câmara Municipal entraram em desacordo com os princípios estipulados pelos representantes do governo lusitano. Dessa forma, o descumprimento de determinações ditadas por Portugal e a corrupção política eram recorrentes no interior das câmaras.

 Apesar do choque de interesses apresentar as contradições desenvolvidas no processo de colonização brasileiro, a exclusão política presente nas câmaras serviram para o atendimento dos interesses da ótica de exploração mercantilista dos portugueses. Dentro deste contexto, essa característica da administração colonial veio a permitir o acúmulo dos capitais responsáveis pelo desenvolvimento do capitalismo europeu.





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A escravidão nas lavouras de açúcar

 Na segunda metade do século 16, começaram a ficar evidentes os interesses e os objetivos de Portugal nas terras brasileiras.
 As relações econômicas que vigoravam entre as nações europeias baseavam-se nomercantilismo, cuja base eram o comércio internacional e a adoção de políticas econômicas protecionistas.
 Cada nação procurava produzir e vender para o mercado consumidor internacional uma maior quantidade de produtos manufaturados, impondo pesadas taxas de impostos aos produtos importados. Asseguravam, desse modo, a manutenção de uma balança comercial favorável.
 As nações que possuíam colônias de exploração levavam maiores vantagens no comércio internacional. A principal função dessas colônias era fornecer matérias-primas e riquezas minerais para as nações colonizadoras - ou seja, para as metrópoles. Ao mesmo tempo, serviam de mercado consumidor para seus produtos manufaturados. Havia uma imposição de exclusividade, ou monopólio, do comércio da colônia para com a metrópole, que foi chamada de pacto colonial.
Pacto colonial
 O pacto colonial pode ser entendido como uma relação de dependência econômica que beneficiava as metrópoles. Ao participarem do comércio como fornecedoras de produtos primários (baratos) e consumidoras dos produtos manufaturados (caros), as colônias dinamizavam as economias das metrópoles propiciando-lhes acúmulo de riquezas.
 Portugal procurou criar as condições para o Brasil se enquadrar no pacto colonial. Os portugueses concentraram seus esforços para a colônia se transformar num grande produtor de açúcar de modo a abastecer a demanda do mercado internacional e beneficiar-se dos lucros de sua comercialização.
 Além da crescente demanda consumidora por esse produto, havia mais dois fatores importantes que estimularam o investimento na produção açucareira. Primeiro, os portugueses possuíam experiência e tinham sido bem-sucedidos no cultivo da cana-de-açúcar em suas possessões no Atlântico: nas ilhas Madeira, Açores e Cabo Verde. Segundo, as condições do clima e do solo do nosso litoral nordestino eram propícias a esse plantio. Em 1542, o donatário da próspera capitania dePernambuco, Duarte Coelho, já havia introduzido a cana-de-açúcar em suas terras.
Plantation
 O plantio da cana-de-açúcar foi realizado em grandes propriedades rurais denominadas de latifúndio monocultor ou plantation. Essas propriedades também ficaram conhecidas como engenhos, porque, além das plantações, abrigavam as instalações apropriadas e os equipamentos necessários para o refino do açúcar: a moenda, a caldeira e a casa de purgar.
 Para o processo de produção e comercialização do açúcar ser lucrativo ao empreendimento colonial, os engenhos introduziram a forma mais aviltante de exploração do trabalho humano: a escravidão. A introdução do trabalho escravo nas grandes lavouras baixava os custos da produção.
 Toda a riqueza da colônia foi produzida pelo trabalho escravo, baseado na importação de negros capturados à força na África.
 O contexto social da colonização e da superexploração da mão-de-obra pela lavoura canavieira tornava inviável contar com o trabalho dos homens livres.
 Com terras abundantes, os homens livres poderiam facilmente se apropriar de uma gleba e desenvolver atividades de subsistência. Ou seja, não havia nem incentivo nem necessidade de que a população livre trabalhasse no engenho. Completando o quadro, os portugueses também exploravam o lucrativo de tráfico de escravos negros africanos. E a simples existência do tráfico já constituía um estímulo à utilização desta mão-de-obra nas colônias pertencentes a Portugal.
Engenhos
 Os engenhos eram as unidades básicas de produção das riquezas da colônia. Mais do qualquer outro local, o engenho caracterizava a sociedade escravista do Brasil colonial. No engenho, havia a senzala, que era a construção rústica destinada ao abrigo dos escravos; e havia a casa grande, a construção luxuosa na qual habitavam o senhor, que era o proprietário do engenho e dos escravos; juntamente com seus familiares e parentes. Consta que por volta de 1560, o Brasil já possuía cerca de 60 engenhos que estavam em pleno funcionamento, produzindo o açúcar que abastecia o mercado mundial.
 Nos moldes como foi planejada pela Coroa portuguesa, a colonização do Brasil exigia enormes recursos econômicos que seriam empregados na montagem dos engenhos, na compra de escravos, de ferramentas e de mudas de cana-de-açúcar para iniciar a produção. Havia ainda a necessidade de transporte do produto e, por fim, sua distribuição no mercado internacional.
 Para solucionar o problema do financiamento da montagem da produção açucareira, Portugal recorreu aos mercadores e banqueiros holandeses. Por meio de inúmeros mecanismos de cobrança de impostos, os lucros obtidos com a comercialização do açúcar eram rateados. A maior parcela dos lucros obtidos ficava com os negociantes holandeses que haviam investido na produção e distribuição do produto. Portugal ficava com a menor parcela dos lucros, mas em contrapartida assegurava a posse e a colonização do Brasil, além da imposição do pacto colonial.
 O ciclo do açúcar no Brasil colonial se estendeu até a segunda metade do século 17. A partir de então, a exportação do produto declinou devido à concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. Ironicamente, eram negociantes holandeses que também financiavam e comercializavam a produção antilhana. Restava a Portugal encontrar outras formas de exploração das riquezas coloniais. No século 18, a exploração de ouro e diamantes daria início a um novo ciclo econômico.

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A colonização do Brasil

 A colonização portuguesa no Brasil teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar. Sabemos que os termos civilizar, explorar, exterminar, conquistar e dominar estão diretamente ligados às relações de poder de uma determinada civilização sobre outra, ou seja, os portugueses submetendo ao domínio e conquista os indígenas. Já os termos explorar, povoar remete-se à exploração e povoamento do novo território (América).

 A partir de então, já sabemos de uma coisa, que o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, pois afirmando isto, estaremos negligenciando a história dos indígenas (povoadores) que viviam há muito tempo neste território antes da chegada dos europeus. Portanto, o processo de colonização portuguesa no Brasil teve um caráter semelhante a outras colonizações europeias, como, por exemplo, a espanhola: a conquista e o extermínio dos indígenas. Sendo assim, ressaltamos que o Brasil foi conquistado e não descoberto. 

 A Coroa portuguesa, quando empreendeu o financiamento das navegações marítimas portuguesas no século XV, tinha como principal objetivo a expansão comercial e a busca de produtos para comercializar na Europa (obtenção do lucro), mas não podemos negligenciar outros motivos não menos importantes como a expansão do cristianismo (Catolicismo), o caráter aventureiro das navegações, a tentativa de superar os perigos do mar (perigos reais e imaginários) e a expansão territorial portuguesa (territórios além-mar).

 No ano de 1500, os primeiros portugueses chegaram ao chamado “Novo Mundo” (América), e com eles o navegador Pedro Álvares Cabral desembarcou no litoral do novo território. Logo, os primeiros europeus tomaram posse das terras e tiveram os primeiros contatos com os indígenas denominados pelos portugueses de “selvagens”. Alguns historiadores chamaram o primeiro contato entre portugueses e indígenas de “encontro de culturas”, mas percebemos com o início do processo de colonização portuguesa um “desencontro de culturas”, começando então o extermínio dos indígenas tanto por meio dos conflitos entre os portugueses quanto pelas doenças trazidas pelos europeus, como a gripe e a sífilis.

 Entre 1500 a 1530, os portugueses efetivaram poucos empreendimentos no novo território conquistado, algumas expedições chegaram, como a de 1501, chefiada por Gaspar de Lemos e a expedição de Gonçalo Coelho de 1503, as principais realizações dessas expedições foram: nomear algumas localidades no litoral, confirmar a existência do pau-brasil e construir algumas feitorias.
 Em 1516, Dom Emanuel I, rei de Portugal, enviou navios ao novo território para efetivar o povoamento e a exploração, instalaram-se em Porto Seguro, mas rapidamente foram expulsos pelos indígenas. Até o ano de 1530, a ocupação portuguesa ainda era bastante tímida, somente no ano de 1531, o monarca português Dom João III enviou Martin Afonso de Souza ao Brasil nomeado capitão-mor da esquadra e das terras coloniais, visando efetivar a exploração mineral e vegetal da região e a distribuição das sesmarias (lotes de terras).

 No litoral do atual estado de São Paulo, Martin Afonso de Souza fundou no ano de 1532 os primeiros povoados do Brasil, as Vilas de São Vicente e Piratininga (atual cidade de São Paulo). No litoral paulista, o capitão-mor logo desenvolveu o plantio da cana-de-açúcar; os portugueses tiveram o contato com a cultura da cana-de-açúcar no período das cruzadas na Idade Média. 

 As primeiras experiências portuguesas de plantio e cultivo da cana-de-açúcar e o processamento do açúcar nos engenhos aconteceram primeiramente na Ilha da Madeira (situada no Oceano Atlântico, a 978 km a sudoeste de Lisboa, próximo ao litoral africano). Em razão da grande procura e do alto valor agregado a este produto na Europa, os portugueses levaram a cultura da cana-de-açúcar para o Brasil (em virtude da grande quantidade de terras, da fácil adaptação ao clima brasileiro e das novas técnicas de cultivo), desenvolvendo os primeiros engenhos no litoral paulista e no litoral do nordeste (atual estado de Pernambuco), a produção do açúcar se tornou um negócio rentável.

 Para desenvolver a produção do açúcar, os portugueses utilizaram nos engenhos a mão de obra escrava, os primeiros a serem escravizados foram os indígenas, posteriormente foi utilizada a mão de obra escrava africana, o tráfico negreiro neste período se tornou um atrativo empreendimento juntamente com os engenhos de açúcar.



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A questão do preconceito e discriminação racial no Brasil

 O racismo e a discriminação a qualquer título são abomináveis aos olhos daqueles que vivem a verdadeira humanidade e que tratam aos outros com igualdade, respeito e amor independente da cor, da raça, do sexo, da idade, da profissão, etc...

 O Brasil é um país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a isso encontramos as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração econômica do proletariado, aos 350 anos de escravidão negra e da subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para eles subsistissem; além das desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil.

 O Ministério do trabalho lançou um documento chamado: " Brasil, Gênero e Raça" em que distingue Racismo, Preconceito, Estereótipo e Discriminação.

 Racismo [1] é a ideologia que postula a existência de hierarquia entre grupos humanos, que no caso em tela pode ser traduzida na pretensão da existência de uma certa hierarquia entre negros e brancos. Segundo Ferreira [2], o racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças, podendo representar ainda o preconceito ou discriminação em relação à indivíduos considerados de outras raças.

 Preconceito [3] é uma indisposição, um julgamento prévio negativo que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos. Compulsando a obra de Ferreira [4] aprendemos que preconceito é uma idéia pré-concebida ou mais precisamente, a suspeita, a intolerância e a aversão a outras raças religiões e credos.

 O Estereótipo [5] consiste em um atributo dirigido a determinadas pessoas e grupos que funciona como uma espécie de carimbo ou rótulo, que retrata um pré-julgamento. As pessoas rotuladas são sempre tratadas e vistas de acordo com o carimbo que recebem em detrimento de suas verdadeiras qualidades.

 A Discriminação [6] é a denominação atribuída a uma ação ou omissão violadora do direito das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como: raça, sexo, idade, crença, opção religiosa, nacionalidade, etc... FERREIRA [7] define a discriminação como sendo o tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc...

 O racismo é crime inafiançável e imprescritível segundo o art. 5º inciso XLII da Constituição Federal, o qual ganhou efetividade através das leis nºs. 7.716/89 e 9.459/97 e do livre acesso à justiça assegurado constitucionalmente, bem como da assistência judiciária gratuita.

 A discriminação ocorre com maior freqüência contra a raça negra e mais precisamente em relação aos negros pobres, se agravando contra as mulheres, crianças e idosos negros e pobres.

 Embora haja na nossa legislação diversas fontes e recursos de combate contra a discriminação e o racismo para que haja eficácia nessa batalha, é necessário a existência de uma consciência [8]. Faz-se mister que aqueles que são discriminados estejam conscientes da discriminação sofrida e reajam de forma inequívoca contra seus discriminadores, inclusive denunciando-os à justiça.

 Por outro lado, é necessário que o povo brasileiro crie uma consciência das discriminações que existem no Brasil, eis que, comumente a sociedade nega a ocorrência de discriminações atribuindo eventuais casos que caem no domínio público a comportamentos isolados de pessoas inescrupulosas.


 Ocorre que, as discriminações existem e são reais e devem ser encaradas como fatos concretos que precisam ser combatidos e resolvidos, não bastando a mera maquiagem da realidade que por si só é discriminatória e corrobora para o crescimento do preconceito, do racismo, dos estereótipos e das discriminações sociais.

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos [9] em seu artigo I, preconiza que:

 "todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade e que sendo dotados de consciência e razão devem agir de forma fraterna em relação aos outros." 

 A Constituição da República Federativa do Brasil [10] consagra referidos princípios (igualdade, liberdade, fraternidade) no artigo 5.º:

 "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

 Nesse dispositivo constitucional está inserido o princípio da isonomia que significa que todos (brasileiros e estrangeiros, brancos e negros, adultos, idosos e crianças, homens e mulheres, ricos e pobres,) são iguais perante a Lei, sem qualquer distinção.

 Há que se ressaltar aqui a "imprecisão" dos legisladores que ao desejarem alcançar a perfeição e cercar de proteção toda a população brasileira, se olvidaram dos estrangeiros que vem ao país temporariamente, seja a turismo ou a trabalho. Entretanto, por extensão os Tribunais tem assegurado a eles todos os direitos e garantias fundamentais de nossa Carta Magna e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 Os principais direitos humanos fundamentais são a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.

 A igualdade em nossa legislação não está restrita ao gênero masculino, é para todos, independente de sexo:

 "CF/88. Art. 5º...

 I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição." 

 Ao ler esse artigo que trata do direito de igualdade das mulheres lembramos da conquista da cidadania feminina, da igualdade de direitos e deveres existente entre homens e mulheres, da proibição da discriminação em razão do sexo(gênero), do direito de acesso aos cargos públicos pelas mulheres e da garantia que a classe feminina ganhou para escolher e exercer livremente toda e qualquer profissão.

 Na mesma esteira de pensamento e proteção, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, estabeleceu a proibição da tortura e da humilhação de todo e qualquer indivíduo, independente de sexo, raça, cor, idade, etc...

 "Art, 5º...

 III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;" 

 Reconhecendo que o Brasil é um país de muitas faces, com diversas religiões, culturas e povos, cada qual preservando suas crenças específicas e em respeito a essa diversidade, os legisladores asseguraram constitucionalmente a liberdade de crença e de culto religiosa, ratificando os dizeres da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 "Art 5º...

 VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;" 

 A fé é um direito precioso que está atrelado aos valores de cada ser humano e muitas vezes confunde-se com sua própria identidade e motivação para viver.

 Não haveria liberdade e igualdade, nem exercício pleno da cidadania e tão pouco direito de expressão se houvesse repressão ao direito de crença e culto religioso.

 Por outro lado, existia o perigo, iminente, da retaliação aos que manifestassem suas crenças e realizassem seus cultos e para resolver a questão os constituintes preconizaram:

 "Art.5º...

 VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;"

 Destarte, se alguém por motivos de crença religiosa, convicção filosófica ou política estiver impossibilitado de cumprir obrigação legal, não precisará se privar de suas crenças e convicções mas deverá cumprir prestação alternativa.Ex: Os protestantes de sétimo dia que não votarem aos sábados deverão justificar sua ausência ou então pagar a multa.

 Pensar em igualdade e combate á discriminação envolve a proteção à privacidade, à dignidade e à honra.

 É cediço que o tempo não retroage e que as feridas ainda que cicatrizem, deixam marcas que podem ser permanentes, marcas estas que retratam a dor moral que surge quando o ser humano tem sua privacidade, honra e dignidade atingidas pelo preconceito e pela discriminação.

 A dor moral não tem remédio mas pode ser aliviada, compensada pela punição do autor do ato ilícito, compensação esta que traz um certo alívio para quem recebe a indenização e coíbe o infrator para que não reincida em suas infrações. A indenização por danos morais, bem como a por danos materiais está claramente disciplinada na Constituição de 1988, no art. 5º, X :

 "Art 5º...

 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

 Observe ainda que a CF/88, artigo. 3º, ao dispor sobre os objetivos fundamentais do Estado afirma categoricamente que são objetivos da República Federativa do Brasil:

 ?A construção de uma sociedade livre, justa e solidária;

 ?Assegurar o desenvolvimento nacional;

 ?Erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduziras desigualdades sociais e regionais;

 ?Promover o "bem de todos" (não fala em bem comum), sem preconceito de raça, sexo, cor, idade, nível cultural, nacionalidade ou qualquer outra espécie de preconceito, combatendo a discriminação.

 Fica claro que o Brasil tem interesse em combater o racismo e toda e qualquer espécie de discriminação para construir um país mais justo e solidário, onde os cidadãos participem ativamente do governo, seja através de seus representantes, seja através da fiscalização e do controle das ações dos políticos e governantes.

 O combate ao racismo e a discriminação devem estar presentes na consciência do povo brasileiro, inclusive a nível internacional, isto é, em suas relações no exterior e em seu relacionamento com os estrangeiros (art.4º da CF/88) eis que dentre os objetivos da política brasileira nas relações internacionais destacam-se a Prevalência dos Direitos Humanos;

 a Igualdade entre os Estados, a Defesa da Paz e o Combate ao Racismo e ao terrorismo,bem como a Integração econômica, social política e cultural com os povos da América Latina (Mercosul).

 Observa-se, entretanto, que apesar de toda a legislação e facilidades de acesso à justiça, o preconceito e a discriminação continuam a existir e ferir injustamente os negros, afro-descendentes, as mulheres, os idosos, as crianças, os pobres e miseráveis.

 A tratar da discriminação e preconceito racial, Valente [11] nos lembra que:

 "...em todo lugar e a todo momento, atitudes de preconceito e de discriminação acontecem. Mas as pessoas fingem não ver e preferem não discutir esse fato. As conversas sobre o assunto são evitadas. No Brasil é comum ouvir-se: Aqui não temos esse tipo de problema! Brancos, índios e negros vivem na mais perfeita harmonia!" 

 Conclui-se que não basta haver uma legislação protetiva, acesso à justiça e diversas ações afirmativas que tenham por objetivo combater o preconceito e a discriminação, é necessário falar sobre o assunto, conscientizar a população de que o preconceito e a discriminação existem e de que não são corretos, nem normais e que aqueles que praticam a discriminação devem ser denunciados e punidos.

 O silêncio e a aceitação da discriminação como fato natural, além de conduzir à impunidade, retratam o conformismo e retardam a conquista efetiva da cidadania dos discriminados.




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Atual legislação(constituição de 1988) sobre a defesa das terras remanescentes de quilombos

 No Brasil, existem mais de 2.200 comunidades afro-descendentes quilombolas, totalizando cerca de 2.5 milhões de pessoas. Pesquisa publicada em 2005 pelo Centro de Geografia e Cartografia Aplicada (Ciga) da Universidade de Brasília (UnB) documentou a existência de 2.228 comunidades remanescentes de quilombos no Brasil. O levantamento revela que mais da metade das comunidades quilombolas estão localizadas no Nordeste do país, com cerca de 1,4 mil territórios.[3]
 No que concerne à titulação dos territórios quilombolas, recente relatório independente da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPISP),”Ações Judiciais e Terras de Quilombo”, revela que até agosto de 2006 havia “310 processos de regularização de terras de quilombo perante o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.”[4]
 O levantamento da CPI-SP revela que 59% dos 310 processos abertos recebeu apenas um número de protocolo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Ou seja, em 182 processos nenhuma medida administrativa foi tomada no sentido de regularizar o território. Além disso, dos 30 abertos este ano, observamos que apenas um foi alvo de alguma providência, qual seja, a realização do levantamento ocupacional (a primeira etapa). Os demais foram apenas formalizados.
 O INCRA vem recebendo e protocolando as demandas, aumentando assim as estatísticas dos processos em curso sem que medidas efetivas para a conclusão dos mesmos sejam tomadas. Observamos isso, por exemplo, nas duas superintendências com maior número de processos abertos: Maranhão e Minas Gerais. Na Superintendência do Maranhão, dos 89 processos abertos, 59 apenas ganharam um número de protocolo. Situação semelhante ocorre na Superintendência de Minas Gerais onde 38 dos 40 processos existentes não foram alvo de qualquer medida administrativa.
 O quadro descrito pela CPISP em seu relatório demonstra a falta de vontade política e de prioridade dada aos direitos quilombolas – sobretudo o reconhecimento e titulação de seus territórios. Os pouquíssimos exemplos de titulações concluídas devem-se em sua quase totalidade à luta persistente do movimento quilombola e de organizações parceiras, e também a iniciativas de órgãos estaduais (institutos de terra estaduais).
 A Constituição Federal e a titulação das terras quilombolas
 Como parte da própria reflexão sobre o Centenário da Abolição da Escravidão no Brasil, algumas reivindicações de organizações de movimentos negros e setores progressistas, levadas à Assembléia Constituinte de 1988, resultaram na aprovação de dispositivos constitucionais concebidos como formas de compensação e/ou reparação à opressão histórica sofrida.
 A ressemantização do termo quilombo e sua inserção na Constituição Federal de 1988 vieram a traduzir os princípios de igualdade e cidadania negados aos afrodescendentes correspondendo, a cada um deles, os respectivos dispositivos legais: i) Quilombo como direito à terra, enquanto suporte de residência e sustentabilidade, há muito almejadas, nas diversas unidades de agregação das famílias e núcleos populacionais compostos majoritariamente, mas não exclusivamente de afrodescendentes – CF/88 Artigo 68 do ADCT – sobre ´remanescentes das comunidades de quilombos; ii) Quilombo como um conjunto de ações em políticas públicas e ampliação de cidadania, entendidas em suas várias dimensões – CF/88 – título I direitos e garantias fundamentais, título II, cap. II – dos direitos sociais; iii) Quilombo como um conjunto de ações de proteção às manifestações culturais específicas – CF/88 – artigos 214 e 215 sobre patrimônio cultural brasileiro.[5]
 Assim, o artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (ADCT) estabeleceu que:
 “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”
 A norma constitucional não se limitou a ordenar ao Estado que adotasse as medidas necessárias à transferência da propriedade às comunidades étnicas: foi muito além, ao reconhecer (e não estabelecer) diretamente aos remanescentes dos quilombos a titularidade do domínio sobre terras tradicionalmente ocupadas. Neste sentido, o ato do Poder Público que reconhece uma comunidade como remanescente de quilombo e lhe confere o título de propriedade sobre as terras ocupadas ostenta natureza declaratória e não constitutiva. Assim, é possível afirmar que a propriedade dos remanescentes de quilombos preexiste aos atos oficiais, que são praticados apenas para assegurar a necessária segurança jurídica aos quilombolas. Por outro lado, diante dos princípios da efetividade da Constituição e da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º da CF/88[6]), deve prevalecer o entendimento de que o artigo 68 do ADCT é auto-aplicável, prescindindo de regulamentação no plano legislativo para surtir seus efeitos. E assim o é face à sua importância para grupos vulnerabilizados como as populações remanescentes de quilombos.
 O artigo 68 do ADCT é norma com efeitos jurídicos imediatos, porque impõe dever ao Estado de desenvolver atividades destinadas à titulação das terras pertencentes aos remanescentes das comunidades dos quilombos. O Estado deveria empreender ações positivas para sua consecução. Uma análise tradicional do direito subjetivo das comunidades remanescentes de quilombos previsto no artigo 68 não garante sua efetiva proteção, pois, diante da inércia do Poder Público, as comunidades necessitariam recorrer ao Poder Judiciário para que lhes fosse concedida a propriedade definitiva de suas terras. Esta interpretação tradicional teria pouca ou quase nenhuma praticidade, gerando mais demora para que as comunidades possam exercer o direito constitucionalmente previsto.
 A citada norma constitucional cria a obrigação ao Estado em construir políticas públicas destinadas ao reconhecimento das comunidades quilombolas, bem como a delimitação, demarcação e titulação de suas terras. Trata-se de um poder-dever de agir porque compreende prerrogativas públicas que constituem poderes para o administrador público, mas lhe impõem o seu exercício, já que a sua inércia atinge diretamente a sociedade.
 Por que, então, a dificuldade na concretização da norma constitucional que reconhece a propriedade dos remanescentes de quilombos sobre seus territórios? Estes grupos não recebem um reconhecimento adequado por parte do Estado – há forte tendência em não encarar estas comunidades como diferenciados, desconstituindo seus pleitos e vulgarizando suas reivindicações. Aos quilombolas é dado um tratamento uniforme em relação a outros grupos vulnerabilizados[7], não ocorrendo um respeito – como determina a Constituição Federal e as normas internacionais de proteção dos direitos humanos – à diversidade existente, relacionada, sobretudo, a seus vínculos históricos com uma situação de ausência de liberdade e de intensa luta de sua conquista.
 O Poder Público tem, portanto, o dever constitucional de estabelecer um programa específico de regularização fundiária para assentamento e para preservação das comunidades e da cultura quilombola.[8] Por isso, a necessidade de definição pelo Estado dos parâmetros e limites de sua política pública de regularização fundiária das terras quilombolas, com respeito ao princípio da proporcionalidade, sob pena de descumprimento da norma constitucional.
 As normas infraconstitucionais referentes à titulação de terras quilombolas
 Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o reconhecimento do direito à propriedade das terras pertencentes às comunidades remanescentes de quilombos, consumou-se um impasse institucional quanto à operacionalização desse direito. O Estado aplicou institutos, conceitos e procedimentos utilizados para a titulação de terras de outros grupos vulneráveis, como trabalhadores rurais sem terra, desconsiderando as particularidades culturais e sociais das comunidades de remanescentes de quilombos. A maior dificuldade para a utilização de procedimentos de titulação de terras já existentes à realidade quilombola reside na impossibilidade de adequar o meio de vida comunal das comunidades remanescentes de quilombos ao modelo individual de cultivo da terra, previsto nas normatizações já existentes sobre a matéria.
 Somente após sete anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, uma série de atos normativos (leis, decretos, portarias, medidas provisórias) foi editada para dar efeitos práticos ao direito subjetivo previsto no artigo 68 do ADCT. Entretanto, conforme será exposto a seguir, todos estes atos mostraram-se infrutíferos e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil, em sua grande maioria, permanecem sem o devido e regular título de propriedade de suas terras.
 Em 22 de novembro de 1995, o INCRA editou a Portaria n.º 307/95 que define plano de trabalho para a concessão, às comunidades remanescentes dos quilombos, de títulos de reconhecimento de domínio (com cláusula pro indiviso) sobre suas terras insertas em áreas públicas federais. Em 26 de outubro de 1999, foi editada medida provisória pela Presidência da República que introduziu na área de competência do Ministério da Cultura a atribuição de dar cumprimento ao disposto no artigo 68 do ADCT. Neste mesmo ano, em 2 de dezembro, o Ministério da Cultura delegou a competência para a Fundação Cultural Palmares, para dar cumprimento à citada norma constitucional.
 Em dezembro de 2000 e janeiro de 2001, a Presidência da República editou duas medidas provisórias, que incorporaram ao rol de competências da Fundação Cultural Palmares as atribuições de realizar a identificação dos remanescentes das comunidades de quilombos, proceder ao reconhecimento, delimitação e demarcação das terras, que serão homologadas mediante decreto.
 Em 10 de setembro de 2001, é editado o Decreto n.º 3912/2001 cujo objeto é regulamentar as disposições relativas ao processo administrativo para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e para reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles ocupadas. Este decreto especificou as áreas que poderiam ser consideradas propriedade das comunidades remanescentes de quilombolas e manteve a competência do Ministério da Cultura para a homologação final da titulação. Foi editado com base nas conclusões da subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República[9] que considerou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA incompetentes e ilegítimos, para promover desapropriações e reconhecer o domínio de terras em favor das comunidades quilombolas.Naquele momento, prevalecia o entendimento de que o Estado deveria reconhecer somente um direito de propriedade que já pertencia às comunidades quilombolas e às quais lhes faltava um título.
 O grande obstáculo trazido pelo Decreto 3912/2001 ao reconhecimento da propriedade dos territórios era a exigência de que estivessem ocupados pelos quilombos desde 1888 e houvesse a presença de remanescentes em outubro de 1988.[10] Assim, o Estado brasileiro estabeleceu critérios artificiais para a propriedade das terras, contribuindo para desqualificar análises antropológicas e sociológicas aplicáveis à identificação das comunidades e seus territórios e estabelecendo uma situação de total incompatibilidade entre as categorias “oficiais” de classificação e à realidade das comunidades remanescentes de quilombos.
 Diante desta situação de indefinição de critérios reais para definição de territórios de comunidades remanescentes, os estados iniciaram processos de desapropriação de terras para atribuir à titularidade às comunidades com base no interesse social para fins de reforma agrária ou no interesse público. A FCP só conseguia regularizar efetivamente as comunidades de quilombos que estivesse sobre as terras devolutas ou do patrimônio da União totalmente desobstruídas para titulação. [11]
 Em 2003, com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, e após forte processo de reivindicação das comunidades remanescentes de quilombos sobre a necessidade de imediata titulação de suas terras; o Poder Executivo editou decreto de 13 de maio de 2003, que instituiu Grupo de Trabalho com a finalidade de rever as disposições contidas no Decreto 3912/2001 e propor nova regulamentação ao reconhecimento, delimitação e titulação das terras de remanescentes de quilombos.
 O Grupo de Trabalho era formado por representantes de ministérios, como Justiça, Educação, Trabalho, Defesa, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), além da Advocacia Geral da União e três representantes dos remanescentes das comunidades de quilombos designados pela SEPPIR.
 Após conclusão dos trabalhos do citado grupo, o Estado brasileiro, em 20 de novembro de 2003, promulgou o Decreto n.º 4887 que repassou a competência de realização do procedimento administrativo ao INCRA. Este decreto representou certo avanço no processo de titulação dos territórios quilombolas, ao adotar dispositivos previstos nas normas internacionais de proteção aos direitos humanos relativos ao direito à terra e à moradia, e ao delimitar novas competências para realização do procedimento administrativo. Entretanto, os poucos avanços esbarraram nos interesses econômicos de projetos agropecuários, projetos de plantio de florestas homogêneas (pinus, eucalipto), projetos de mineração, construção de hidrelétricas e bases militares. Válido ressaltar que as Forças Armadas necessariamente devem ser ouvidas no procedimento de titulação estabelecido pelo novo decreto, por meio do Ministério da Defesa Nacional.
 A reação contrária à titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos consumou-se com o ajuizamento de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN) do Decreto 4887/2003 pelo Partido da Frente Liberal (PFL) junto ao Supremo Tribunal Federal. A ADIN n.º 3239 apresenta os seguintes argumentos: i) o decreto é via imprópria para a regulamentação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cuja adequada regulamentação deve ser feita por via de lei; ii) a desapropriação prevista no referido decreto é inconstitucional, pois o papel do Estado no reconhecimento da propriedade definitiva das terras de quilombos se resume à emissão dos respectivos títulos; iii) que a configuração dos titulares do direito à propriedade definitiva das referidas terras na forma regulamentada é igualmente inconstitucional, em razão da adoção do critério da auto-atribuição; iv) também o critério estabelecido no Decreto para configuração das terras em que se localizavam os quilombos é inconstitucional, por demasiado amplo e sujeito a indicativos fornecidos pelos interessados.
 Diante da iminência de declaração de inconstitucionalidade do Decreto 4887/2003 e a possibilidade de retrocesso nos pequenos avanços obtidos na luta pela titulação das terras dos remanescentes de quilombos, organizações não-governamentais que promovem a proteção de direitos humanos, apresentaram ao STF amicus curiae em defesa da constitucionalidade do decreto.[12] Atualmente, a ADIN encontra-se com o Ministro Relator Cezar Peluso, que proferirá decisão liminar sobre o pedido.[13]
 O Decreto 4887/2006 encontra-se vigente até a presente data. E, a despeito dos pequenos avanços que dispõe em relação ao Decreto 3912/2001, estabelece um procedimento de etapas complexas e demoradas para que seja efetivamente concedido o título às comunidades quilombolas. Tornou-se, na prática, um instrumento burocratizador e impeditivo do procedimento de titulação das terras das comunidades e um grande impeditivo da concretização do direito protegido pela Constituição Federal de 1988 e por normas internacionais de proteção aos direitos humanos.
 Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram editados sete atos normativos das mais diferentes espécies para regulamentar o procedimento de titulação das terras das comunidades de remanescentes de quilombos. Estes dados demonstram claramente que o procedimento administrativo de titulação das terras de remanescentes de quilombos tornou-se, em realidade, um obstáculo concreto para concretização dos direitos assegurados. A postura burocratizante do Estado brasileiro na implementação do Decreto 4887/2003, mediante atuação do INCRA e demais órgãos federais, torna-se o maior impeditivo da eficácia do procedimento administrativo.
 Da discricionariedade administrativa no procedimento de titulação de terras quilombolas – violação ao princípio da proporcionalidade
 Após a edição do Decreto 4887/2003, o INCRA publicou a Instrução Normativa n.º 20 que também regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Caberia a esta instrução normativa estabelecer prazos para as etapas do processo de delimitação do território quilombola previsto no decreto e garantir celeridade e eficácia aos atos. Entretanto, esta norma deixou em aberto o tempo necessário para a realização de etapas fundamentais da regularização do território pertencente às comunidades quilombolas: a etapa de identificação e delimitação do território; publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do território e o julgamento das contestações pelo Comitê de Decisão Regional do INCRA.
 Como não há qualquer previsão normativa do tempo necessário para que se realize a identificação e delimitação do território, publicação do relatório técnico e julgamento das contestações, fica a cargo do Poder Público o estabelecimento dos prazos e auto-cumprimento. Trata-se de uma atuação discricionária da Administração que deve respeitar, entretanto, o princípio da proporcionalidade.
 O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder e o fim a que se destina é o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo da norma. Significa que o Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido.
 Para que a conduta da Administração Pública observe o princípio da proporcionalidade, deve observar três regras: adequação (o meio empregado na atuação deve ser compatível com o fim pretendido);exigibilidade (a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido deve ser aquele que cause o menor prejuízo possível para os indivíduos) e proporcionalidade em sentido estrito (quando as vantagens a serem conquistadas superam as desvantagens).
 Especificamente quanto ao procedimento administrativo de titulação das terras quilombolas, as normas infraconstitucionais – decretos, portarias, medidas provisórias – estabeleceram liberdades aos agentes públicos para sua atuação que acabam por ferir o princípio da proporcionalidade. O meio empregado para a titulação – o procedimento previsto no Decreto 4887/2003 – tornou-se incompatível diante da burocratização estatal das etapas de realização da titulação. O procedimento também é gravoso e causa sérios danos às comunidades, pois, sem o título efetivo, ficam sujeitas à ingerência de terceiros e do próprio Estado (como é o caso das comunidades de Alcântara). Por fim, o procedimento é desproporcional, porque as desvantagens enfrentadas pelas comunidades são inúmeras, reduzindo significativamente a possibilidade da obtenção do título.
 A inexistência de previsão normativa de prazos para que o Estado cumpra as etapas do procedimento administrativo de titulação de terras quilombolas, deixa ao critério dos agentes públicos quando por termo ao processo de titulação. A atuação da Administração Pública fere, em conseqüência, o princípio da proporcionalidade, já que se mostra inadequada, gravosa e com muitas desvantagens em relação ao fim pretendido. É o que se vê em diversos casos de titulação de terras quilombolas em todo o Brasil. Tome-se como exemplo o procedimento da titulação das terras das comunidades de remanescentes de quilombos da Ilha de Marambaia, Rio de Janeiro.[16]
 A comunidade de remanescentes de quilombos da ilha de Marambaia iniciou processo administrativo de titulação das terras em 1998, ao apresentar dossiê à Fundação Cultural Palmares sobre a histórica ocupação da ilha há 150 anos.[17] Em dezembro de 2003, foi finalizado laudo antropológico que confirmou a ocupação da ilha pela comunidade.[18] Com a promulgação do Decreto n.º 4887/2003, que delegou a competência do procedimento para o INCRA, novo procedimento administrativo de titulação foi iniciado junto a este órgão.[19] A comunidade inscreveu-se no Cadastro Geral da Fundação Cultural Palmares e obteve certidão de auto-reconhecimento em 12 de novembro de 2004. O Relatório Técnico de Identificação, Delimitação, Levantamento Ocupacional e Cartorial (RTID) foi concluído em maio de 2006 e aprovado pelo INCRA em 5 de julho de 2006. O INCRA tornou público o relatório mediante publicação em 14 de agosto de 2006. No mesmo dia, nova publicação foi feita pelo INCRA, invalidando a publicação anterior. Foi necessária a impetração de mandado de segurança junto ao Poder Judiciário para garantir a validade da portaria que tornou público o RTID.[20] Mesmo após a decisão judicial, o procedimento de titulação encontra-se estagnado.
 Segundo levantamento realizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo[21], existem 327 territórios de comunidades de remanescentes de quilombos que aguardam regularização fundiária em procedimento administrativo no âmbito do INCRA, nas seguintes etapas:
 A demora na regularização das terras de remanescentes de quilombos indica a apatia do Estado brasileiro para com a questão. Referindo-se ao artigo 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988, a antropóloga Ilka Boaventura Leite expõe:
 “Apesar de sua força simbólica e da oportunidade lançada em 88 pelo recurso constitucional, o projeto de cidadania dos negros encontra-se hoje fortemente ameaçado. Seja porque a grande quantidade de casos levantados desde então surpreendeu os órgãos designados para coordenar o processo, seja porque o processo em si esbarra em interesses das elites econômicas envolvidas na expropriação de terras, no desrespeito às leis e nas arbitrariedades e violências que acompanham as regularizações fundiárias. No início dos anos 90 percebia-se já: o seu campo de ação, as conseqüências mesmas do artigo proposto e aprovado pela Constituição não seriam suficientes nem sequer estavam sendo avaliadas pelos setores conservadores que nele votaram. Acreditavam tratar-se de alguns pequenos casos isolados, bons para produzir a visibilidade aos atos de governo e para colocar uma pedra definitiva em cima do assunto.”[22]
 Como visto, a questão da titulação das terras das comunidades de remanescentes de quilombos tem se concentrado nas instâncias federais do Poder Executivo. A unificação do discurso e procedimentos administrativos tem sido recortada e fragmentada por ações dispersas e descontínuas de atuação do Estado – fato que cria grandes dificuldades para o estabelecimento de uma rede consistente de articulação das esferas governamentais que poderiam garantir celeridade ao processo de titulação. A atual estratégia oficial desloca a dimensão étnica para instrumentos de ação agrária, deixando aos órgãos fundiários oficiais (INCRA) as atividades fundamentais de reconhecimento das terras das comunidades quilombolas. Some-se a este fato os poucos recursos orçamentários para executar as ações desapropriatórias requeridas pelas titulações – as verbas são contingenciadas ou não são utilizadas objetivamente para a finalidade prevista.[23]
 O tratamento dado aos direitos coletivos das comunidades quilombolas tão somente no âmbito do direito agrário acarreta novos problemas na esfera jurídica, pois força as comunidades a serem vistas como trabalhadores rurais ou simples posseiros. Reedita-se “as categorias externas e as condições como era formalmente nomeadas antes do advento da identidade quilombola e dos direitos que lhes correspondem, com o risco de renovar e gerar conflitos étnicos.”[24]

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